Um dos temas que mais geram dúvidas é se o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) precisa entrar no inventário após o falecimento do titular. Muitos beneficiários se deparam com a seguinte situação: o titular faleceu, há um plano de previdência privada em vigor, mas o banco se recusa a liberar os valores sem a abertura do inventário. Afinal, isso é legal?
Imagine ainda outra situação: seu pai faleceu recentemente, deixando um VGBL com todo o patrimônio da família. Ele indicou apenas sua irmã como beneficiária e, ao tentar abrir o sinistro para entender seus direitos, você descobriu que foi deixado de fora. E agora?
Essas dúvidas são mais comuns do que se imagina e evidenciam como o tema do VGBL x inventário ainda geram conflitos familiares e jurídicos.
⚖️ A natureza jurídica do VGBL: seguro, investimento ou ambos?
O VGBL é uma modalidade de previdência privada aberta, oferecida por seguradoras sob regulação da SUSEP. Diferentemente de um investimento tradicional, o VGBL possui dupla função: ao mesmo tempo em que permite a acumulação de valores ao longo da vida, também funciona como um seguro de pessoa, com pagamento direto aos beneficiários indicados em caso de morte do titular.
📜 A regra geral: o VGBL não entra no inventário
Em termos jurídicos, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou que o VGBL possui, em regra, natureza de seguro de pessoa, o que significa que ele não integra a herança e não depende de inventário para liberação. Esse entendimento foi reafirmado em decisões importantes, como os Recursos Especiais nº 1.961.488/RS e 1.963.482/RS, nos quais a Segunda Turma do STJ destacou que os valores recebidos pelos beneficiários não se consideram herança e estão excluídos da base de cálculo do ITCMD.
O STF também consolidou esse entendimento no Tema 1.214 da repercussão geral, afirmando ser inconstitucional a incidência do ITCMD sobre valores de VGBL e PGBL recebidos por beneficiários após a morte do titular. Na prática, isso garante que, na maioria dos casos, os beneficiários recebam os valores diretamente, sem necessidade de inventário e sem tributação de imposto sobre herança.
A exceção: fraude à legítima ⚠️
No entanto, existe uma exceção importante, que é justamente o que gera tensão em muitas famílias. Em casos onde há indícios de fraude à legítima, o STJ já reconheceu que o VGBL pode, excepcionalmente, ser considerado como investimento e integrar o inventário. Um exemplo clássico é o REsp 2.004.210/SP, no qual uma mulher idosa vendeu seu único imóvel, aportou praticamente todo o patrimônio em um VGBL e indicou apenas o marido como beneficiário, excluindo a filha, herdeira necessária. O tribunal entendeu que houve desvio de finalidade, transformando o plano em um mecanismo de investimento e possível burla à sucessão legítima, determinando que os valores integrassem o inventário.
Isso mostra que a intenção do titular e o contexto da contratação são determinantes. Se o VGBL foi constituído de forma natural, com aportes regulares e finalidade previdenciária, ele continua sendo um seguro de pessoa e não entra no inventário. Mas se houver sinais de tentativa de fraude, concentração de patrimônio pouco antes do falecimento ou exclusão deliberada de herdeiros, o Judiciário pode intervir para garantir a legítima.
🏦 E quando o banco exige inventário?
Ainda assim, muitos beneficiários enfrentam resistência de bancos e seguradoras, que exigem inventário mesmo quando não há indícios de fraude. Nesses casos, essa exigência é indevida e pode ser questionada judicialmente. O beneficiário tem direito a receber o valor diretamente, com base no contrato e na legislação, enquanto a instituição financeira só pode condicionar a liberação se houver sinais claros de desvio de finalidade ou irregularidades na designação dos beneficiários.
A instituição financeira só pode condicionar a liberação se houver elementos que indiquem a utilização do fundo com natureza diversa, como ausência de designação beneficiários, aportes expressivos realizados em idade avançada ou indícios de intenção de burlar a legítima dos herdeiros necessários.
Em resumo, o VGBL continua sendo, na maioria dos casos, um seguro processado “fora” do inventário, com pagamento direto aos beneficiários e isenção de ITCMD. A exceção acontece apenas quando há evidências de fraude à legítima, e nesse cenário o juiz pode determinar que os valores sejam trazidos ao inventário para proteger os herdeiros necessários. O planejamento antecipado e a transparência na designação dos beneficiários são fundamentais para evitar conflitos e garantir que os direitos de todos sejam respeitados.
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Catarina Wodzik é advogada especializada em Direito Civil, Planejamento Patrimonial, Familiar e Sucessório, atuante em Belo Horizonte/MG e on-line para todo o Brasil. Com ampla experiência em planejamento sucessório e consultoria em seguros de vida e de previdência privada, atua de forma estratégica e precisa nos casos de seus clientes.
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